terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

O aprendizado de Brumadinho

       
(Foto: AFP)

Entre os dias 12 e 14 de fevereiro de 2019 a Defesa Civil do RS enviou dois oficiais até a cidade de Brumadinho/MG com o objetivo de observar as ações desenvolvidas pela Defesa Civil de Minas Gerais frente à tragédia que atingiu a barragem de rejeitos da mina "Córrego do Feijão", da Companhia Mineradora Vale.

A visita técnica foi dividida em duas etapas, sendo uma voltada à compreensão da estrutura organizacional, em maior escala, das instituições e agências governamentais que participam do processo de licenciamento e fiscalização de barragens e, uma segunda etapa voltada à observação da estrutura de resposta à emergência instalada durante esse evento adverso.
Minas Gerais apresenta um cenário diferente do RS no que se refere às barragens de rejeitos. Naquele Estado são 434 barragens desse tipo, normalmente associadas à atividade de mineração, o que ocasiona a existência de diversas comunidades situadas em zonas de risco, no caso de uma ruptura.

(Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo)

A fiscalização de barragens é realizada por diferentes órgãos, de acordo com o tipo de barragem considerada. Barragens de irrigação e outras sem riscos associados ao volume de líquido contido, são fiscalizadas pela Agência Nacional das Águas (ANA) e, de forma concomitante, pelos órgãos de proteção ambiental. Já barragens de rejeitos de mineração e hidrelétricas são fiscalizadas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) e pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), respectivamente.

Em todos os casos as barragens devem possuir um plano de segurança, nos termos da Lei Federal 12.334/10, o qual, além das informações técnicas e estruturais da barragem, é composto por um documento denominado PAE (Plano de Ação de Emergência), o qual deverá estar disponível no empreendimento e nas prefeituras envolvidas.


Esse PAE estabelecerá as ações a serem executadas pelo empreendedor da barragem no caso de uma situação de emergência, bem como identificará os agentes a serem notificados dessa ocorrência.

Tanto no evento da Barragem do Fundão, em Mariana/MG (2015), quanto no evento da Barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG (2019), não houve o alerta antecipado das comunidades potencialmente afetadas, o que ampliou a quantidade de pessoas atingidas, muitas das quais poderiam ter se dirigido a zonas seguras antes da chegada da lama.

Um dos aprendizados decorrentes da experiência vivida em Minas Gerais é a requisição conjunta dos Planos de Contingência Municipais, (que já são exigidos pela Defesa Civil do Estado) com os Planos de Ação de Emergência (PAE) de barragens às Coordenadorias Regionais de Defesa Civil, nos municípios onde haja barragens.

Esse tipo de ação poderá ser realizado conjuntamente no Rio Grande do Sul pelo órgão de fiscalização ambiental e pela Defesa Civil, mas somente será efetivo se as condições de estabilidade estrutural, treinamento de emergência e sistema de alerta sejam atestados por responsáveis técnicos do empreendedor da barragem.


Um segundo ponto observado na visita técnica a Brumadinho foi a capacidade de resposta dos serviços de emergência Mineiros empregados no evento.
Imediatamente após a ocorrência, que foi de grande magnitude, a Defesa Civil de Minas Gerais e o Corpo de Bombeiros Militar enviaram equipes de resposta, instalando um posto de comando inicial para a organização dos trabalhos.

Com o passar do tempo a cena foi se tornando mais complexa, com a chegada de diferentes tipos de apoio e de diferentes equipes especializadas.

Aqui também houve um aprendizado. A quantidade de pessoas e de recursos que foi "chegando para ajudar", sem ter sido solicitada, em determinado momento se tornou um transtorno para as equipes profissionais que gerenciavam a cena.

Times de voluntários, cargas de ajuda humanitária, servidores de órgãos não relacionados ao atendimento de emergência, entre outros, foram se aproximando de um terreno que ainda se encontrava instável, colocando toda a operação em risco.

A esse tipo de comportamento se dá o nome de "turismo de desastre", que é a pessoa, ou grupo de pessoas que, de forma bem intencionada, se desloca até o ponto onde está a emergência sem ter sido requisitada ou convidada e, na intenção de ajudar, acaba por tumultuar ainda mais  um cenário que já é naturalmente caótico.


A lição aprendida, especialmente com o Corpo de Bombeiros Militar e com a Polícia Militar de Minas Gerais é a de que, mesmo com todo o voluntariado existente nesses casos, é preciso que haja um adequado direcionamento de esforços, evitando colocar civis em risco primário, ou mesmo secundário, na zona de desastre.

No caso de Brumadinho, após a entrada desautorizada de equipes não profissionais na chamada "zona quente" (que é o local mais perigoso do desastre), foram montados postos de controle da Polícia Militar ao longo de todas as rotas acessíveis do desastre, ocupando mais de 100 Policiais Militares nessas barreiras, por dia de operação. Tudo isso apenas para evitar a entrada de pessoas desautorizadas, e muitas vezes desqualificadas, que têm a intenção de "ajudar" na operação de resgate.

Outra lição muito importante foi o exemplo de integração dos órgãos e agências envolvidos na resposta à emergência. Presenciamos o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais e de mais 9 Estados, a Polícia Militar, a Polícia Civil, a Força Aérea Brasileira, a Polícia Federal, o IBAMA, o SAMU e a própria Companhia Mineradora VALE, entre outros, atuando em coordenação de esforços, sob a tutela da Defesa Civil do Estado, a qual teve o papel de organizadora geral dos esforços de emergência e de encarregada do estabelecimento do Sistema de Comando em Operações (SCO), que é fundamental em eventos de grane magnitude como o de Brumadinho.


Entre os dias 12 e 14 de fevereiro de 2019, portanto na terceira semana de emergência, observamos cerca de 400 bombeiros militares atuando na "zona quente", cerca de 100 policiais militares efetuando o controle das zonas de acesso ao local do desastre e cerca de outras 500 pessoas, entre militares e civis, atuando diariamente nas ações de suporte a apoio às equipes de intervenção.

Helicópteros, tratores, máquinas pesadas, veículos off-road, antenas de satélite, aparelhos GPS e todo um aparato de tecnologia tem sido utilizado, de forma ininterrupta, na busca pelas pessoas atingidas por essa tragédia.


       O diferencial, contudo, se materializa na dedicação e no esforço dos homens e mulheres que estão integrados aos serviços de emergência de Minas Gerais. Diariamente, com suas ferramentas manuais e seus cães de busca, esses profissionais, de forma muito respeitosa e abnegada, se entregam totalmente na esperança de trazer conforto a familiares e amigos das vítimas de Brumadinho.

O ocorrido em Brumadinho é uma tragédia familiar para os Mineiros, e tem sido tratada com absoluto cuidado e zelo pelas instituições e agências envolvidas na resposta. É como se cada membro das equipes de resgate tivesse ali, soterrado por toneladas de rejeito de minério, um familiar ou um amigo seu, tamanho o cuidado e a minúcia com que executam suas ações diárias.
  
Nosso maior aprendizado foi viver, mesmo que por um curtíssimo período, a dor e a superação de cada uma das pessoas envolvidas na tragédia, sejam elas resgatistas, sejam elas vítimas.  Foi esse sentimento que ajudou a construir uma das maiores operações de resgate já vistas no Brasil.